Por Humberto Silva(*)
NOTÍCIAS NA IMPRENSA APRESENTAM VALORES OPOSTOS
Toda e qualquer doença terá sempre que ter um levantamento estatístico entre a população para poder ser minimamente controlada. Um dos problemas com que se deparam os especialistas é a falta de um estudo aprofundado da PPST em Portugal. Entre o estudo do Dr. Afonso de Albuquerque e os números de restantes académicos, associações e Governo depressa se verifica que ainda não se chegou a consenso.
Ninguém sabe ao certo quantas são as vítimas de stress de guerra entre os combatentes das ex-colónias que existem em Portugal. A APOIAR tem cerca de 4000 sócios, e é uma associação que trata especificamente de ex-combatentes com stress de guerra, embora nem todos os seus associados sejam utentes.
O próprio estudo sobre a Perturbação de stress pós traumático (PPST) em Portugal é algo que ainda não foi desenvolvido com a atenção necessária, nem pelas academias nem pelas autoridades competentes. O levantamento estatístico de algo tão difícil de tematizar como a PPST, a sua incidência na população de ex-combatentes e a abrangência da doença nessa mesma população, é dificultada pelo acesso aos arquivos militares, pela desorganização dos serviços de saúde e pelos entraves dos sucessivos governos, sobrando os arquivos incompletos e a boa vontade das associações de veteranos e ex-combatentes para se ter um qualquer vislumbre minimamente coerente e representativo desses números. Embora nunca cientificamente válidos em definitivo.
Por sua vez o único estudo efectuado sobre o caso e que arrisca um número é o do Dr. Afonso de Albuquerque (1) e acaba por ser baseado num levantamento em que a amostra não se baseava exclusivamente em ex-combatentes e cujos números são apenas uma extrapolação feita a partir dos estudos da incidência da PPST nos ex-combatentes nos Estados Unidos.
É no entanto um número, baseado num critério científico. Razão pela qual o verdadeiro número das vítimas do stress de guerra ainda está hoje por se descobrir e, porque, de cada vez que na comunicação social se fala na PPST, seja com psicólogos ou com associações de ex-combatentes, os números apresentados raramente coincidem.
Para além dos valores do estudo do Dr. Afonso de Albuquerque, cerca de 140.000 pessoas com perturbações psicológicas de onde 40.000 desenvolvem PPST, vieram recentemente a lume, na comunicação social, dois números absolutamente díspares. João Gonçalves, da delegação de Viseu da ADFA, defendeu ao Diário Digital no dia 27 de Junho de 2007 que o número rondará entre os 6.000 e os 7.000 apenas. Diz este dirigente ao Diário Digital que os números do Dr. Afonso de Albuquerque não correspondem à realidade:
«Deitaram números para a mesa na ordem dos 80 mil, 140 mil, depois vieram para 40 mil combatentes afectados por esta doença. E isso parece que assustou o Governo», disse, defendendo que rondarão os «6 a 7 mil».
Passadas três semanas, a 15 de Julho de 2007, uma reportagem no Notícias Magazine apresenta um estudo, que está a ser feito na Universidade do Minho, por uma equipa liderada pela psicóloga Ângela Maia, em que estima que o número de ex-combatentes em situação de risco pode ascender aos 300.000. Esta investigadora admite “ (…) sendo conservadora, que neste momento serão 300 mil os homens em situação de risco.” Baseando-se num estudo feito a cerca de 350 ex-combatentes escolhidos da base de dados da APVG de Braga, chegando também a outras percentagens e conclusões, uma delas é que, para além de ultrapassar a estimativa do Dr. Afonso de Albuquerque esta percentagem de incidência em ex-combatentes ultrapassa mesmo a do Vietname.
Nos entretantos desta luta de números seria de bom tom que as instituições competentes investissem num estudo aprofundado, baseado num levantamento rigoroso de todos os ex-combatentes das ex-colónias e que o resultado desse estudo não esteja dependente dos limites orçamentais do governo, dos interesses das associações de ex-combatentes ou da atitude académica de ”o meu número é maior que o teu”. (2)
É importante que estudos deste tipo comecem a surgir com mais frequência, para que se possam definir os números com uma maior certeza, pois só assim será possível definir e planear antecipadamente, e com políticas seguras, o apoio às vítimas desta doença
(1) Cf. Albuquerque et al, Afonso, Acta Médica Portuguesa, 16, 2003, pp. 309 a 320
(2) Ambas as notícias estão disponíveis em formato .pdf no site da APOIAR na secção “notícias”, assim como o estudo do Dr. Afonso de Albuquerque.
(*) Editor do Jornal APOIAR
( Publicado Originalmente no nº 47, Julho/Agosto 2007, do jornal APOIAR)