O impacto do calor extremo na saúde mental
Estudos recentes na Austrália e um documento da Ordem dos Psicólogos Portugueses alertam para o impacto crescente das ondas de calor no bem-estar psicológico e apontam caminhos para a prevenção.
Que os Verões estão mais quentes e prolongados não oferece dúvida. O calor em excesso provoca mazelas físicas, mas também é um fardo para a saúde mental. O calor extremo, cada vez mais frequente, está a tornar-se uma ameaça silenciosa para a saúde psicológica.
Não se trata apenas de impressão: os impactos são mensuráveis e vão desde o agravamento da ansiedade e da depressão, até ao aumento de hospitalizações psiquiátricas e maior risco de suicídio.
O que dizem os estudos internacionais
Um estudo publicado em abril de 2025 na revista Nature Climate Change, conduzido pela Universidade de Adelaide (Austrália), analisou dados de 16 anos e revelou:
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Dias de calor excessivo contribuíram para mais de 8.000 anos de vida perdidos por incapacidade (DALYs) devido a doenças mentais e comportamentais.
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A carga poderá crescer até 50% até 2050, especialmente entre jovens (15 a 44 anos) e em regiões áridas.
O corpo humano tem limites fisiológicos e, acima de certas temperaturas, o cérebro começa a sofrer fisicamente.
📊 Por cada 1 °C acima da temperatura ideal:
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+2,2% em mortes por causas mentais
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+0,9% em doenças psiquiátricas
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+1,7% em taxas de suicídio
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+9,7% em hospitalizações em saúde mental
Como o calor extremo afeta o bem-estar psicológico
O calor excessivo:
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Perturba o sono
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Desequilibra neurotransmissores como a serotonina
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Agrava sintomas pré-existentes em pessoas com doenças mentais ou mais vulneráveis
Populações em maior risco:
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Pessoas com doenças mentais diagnosticadas
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Jovens adultos
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Idosos que vivem sozinhos
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Indivíduos em vulnerabilidade socioeconómica
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Habitantes de zonas urbanas com pouca ventilação e arborização
Casos recentes na Austrália
Durante fevereiro e março de 2025, a Austrália registou temperaturas acima dos 45 °C, com aumento significativo de procura por urgências psiquiátricas.
Populações rurais e suburbanas foram particularmente afetadas, segundo o Australian Bureau of Meteorology e o MJA Insight+.
O cenário em Portugal
Portugal tem sido um dos países mais afetados pelas alterações climáticas, com verões cada vez mais longos e intensos. Isso reflete-se não só na saúde física, mas também no bem-estar mental dos portugueses.
Associações como a APOIAR, que trabalham com pessoas em situação de vulnerabilidade psicológica, já registam mais queixas ligadas ao calor, como:
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Insónias
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Irritabilidade
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Crises de ansiedade agravadas
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Dificuldades de regulação emocional
Alterações climáticas e saúde mental: o alerta da OPP
Um documento da Ordem dos Psicólogos Portugueses (2023) destacou:
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As ondas de calor e fenómenos extremos podem provocar ou agravar sintomas de ansiedade, depressão e stress pós-traumático.
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É necessária a inclusão de psicólogos em equipas de resposta a desastres ambientais.
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Deve reforçar-se a literacia emocional e climática para preparar as comunidades.
Políticas públicas para proteger a saúde mental
Especialistas defendem que os sistemas de saúde devem integrar o clima nas políticas de saúde mental, incluindo:
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Linhas de apoio durante períodos de calor extremo
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Equipas móveis para utentes em risco
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Espaços públicos refrigerados acessíveis
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Formação de profissionais de saúde sobre efeitos climáticos
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Planos municipais de resposta com componente psicológica
As alterações climáticas não são apenas um desafio ambiental.
São também uma questão de saúde mental.
Com maior sensibilização, políticas preventivas e acompanhamento psicológico adequado, é possível minimizar os impactos deste “inimigo invisível” que o calor extremo representa para o bem-estar psicológico.
Por: Humberto Silva.
Adaptado do texto publicado no Jornal APOIAR nº 154
Fontes:
Universidade de Adelaide: https://www.mja.com.au/journal/2025/222/6/2024-report-mja-lancet-countdown-health-and-climate-change-australia-emerging