Por: Marta Almeida
Lurdes Loureiro, lançou a sua segunda obra, “Mulher Combatente – Estilhaços Silenciosos da Guerra Colonial” na APOIAR. Depois do seu poema, “Os Rapazes do Meu País” dedicados aos ex-combatentes na guerra colonial, este livro reúne testemunhos de antigos combatentes e deficientes militares, sempre com destaque para as suas mulheres. Em entrevista ao jornal APOIAR, a autora afirma que “Mulher Combatente” reúne uma “partilha de experiências que poderá ser uma ajuda para as mulheres que ainda convivem com os rigores da Guerra Colonial no seio da sua família”. O prefácio do livro é da Dra. Manuela Eanes, numa obra da Editora Mahatma.
Depois deste seu livro “Mulher Combatente”, quais foram as reações que obteve? De onde vieram?
Têm sido reações muito boas e surpreendentes.
Ainda na fase inicial de recolha de testemunhos eu recebi encorajamento e gratidão envoltos em algum espanto e expetativa pelo trabalho que me dispus fazer.
Depois, em algumas apresentações do livro (fiz várias: Lisboa, Viseu, Famalicão, Coimbra e Tondela, minha terra natal) eu comecei a receber um enorme reconhecimento, por palavras, vindo de várias pessoas sensibilizadas por esta temática.
A própria Dr.ª Manuela Ramalho Eanes deu-me os parabéns. Também as lágrimas que vi cair, bem como as que caíram no meu ombro, num pranto compulsivo pela emoção de um conterrâneo ex-combatente, são tremendamente gratificantes.
Relativamente às “minhas heroínas”, vão-me chegando já algumas reações. Num caso houve muito pranto e houve a constatação de que aquelas “gavetas psicológicas” que se julgavam arrumadas, afinal não estavam.
A dor foi enfrentada de novo e expurgada pelo pranto e pela compreensão de haver casos bem piores. Foi a superação.
Em outras situações o livro provocou: o desembotamento de sentimentos e consequente manifestação de afetos e mimos tão necessários para uma melhor vivência ; a reconquista da autoestima e do respeito por si própria, fazendo renascer uma nova pessoa; a reconquista de afetos ou a solidificação dos mesmos, por terem sido vencidos os medos da rejeição, pela verdade exposta. Na generalidade, mais abertura de consciências. Sei que muitas mais ir-se-ão abrir e é maravilhoso fazer parte deste processo. Sinto-me muito recompensada interiormente e muito orgulhosa delas.
O que a motivou para escrever um livro como este “Mulher Combatente”?
O livro ” MULHER COMBATENTE” não estava planeado, no meu consciente.
Tudo foi surgindo, fluindo. Gosto de ser descontraidamente participativa na vida que me rodeia. E por vezes as coisas tornam-se mais sérias. Foi o que aconteceu. Em 2006 resolvi dar a minha participação feminina a um jornal de ex-combatentes, homenageando-os com o poema “OS RAPAZES DO MEU PAÍS”.
Em 2011 este poema foi selecionado, pelos Serviços Sociais da Universidade de Coimbra, para fazer parte da Antologia da Memória Poética da Guerra. Colonial. No ano a seguir participo num concurso literário de conto e poesia que veio a ser a alavanca de autoconfiança e estímulo de que necessitava.
Comecei a escrever o que veio a ser o meu primeiro livro “Mãe, porque não escreves um livro?” Como o acróstico” Mulher Combatente” não pôde se incluído naquela Antologia, por esta já estar paginada quando me contataram, a pena que em mim ficou, foi o rastilho para o presente livro.
O tema da guerra remonta à minha infância. E ao longo da minha vida esteve sempre presente, por ter casado com um ex-combatente e ter convivido sempre com esta “família”, como refiro no livro. A perceção de que havia algo mais para fazer sobre as Mulheres envolvidas no drama da guerra, conduziu-me à realização deste trabalho, com o qual me identifico também, em parte.
As minhas vivências pessoais com a Guerra Colonial remontam à infância, conforme refiro no livro e que muito me marcaram, dado a minha sensibilidade.
Como fui esposa depois da guerra e com um namoro muito curto, só com a convivência no grupo de ex-combatentes, anos mais tarde, é que começo a perceber que há algo de que não se sabe muito bem falar.
Começo a ouvir histórias de vida e a fazer alguns paralelismos, depois de ouvir falar em Stress Pós-traumático. Percebi uma dor escondida.
E o meu espírito justiceiro leva-me a homenagear a Mulher Combatente através de um acróstico. Depois tudo foi acontecendo.
40 anos depois do 25 de Abril em Portugal, como acha que as sucessivas legislaturas têm tratado e reconhecido as mulheres do pós-guerra (esposas, mães, irmãs e até filhas dos ex-combatentes)?
As sucessivas legislaturas não têm tratado e reconhecido, devidamente, as mulheres do pós-guerra. Como todos sabemos. Há ainda muito por fazer. E o que já foi feito, como por exemplo, a atribuição de pensões de sangue para as viúvas, envolveu muita luta, conforme refiro no livro. É necessário mais informação e mais apoio. Por reconhecimento e não por luta.
Com este livro estou a dar o meu contributo para que se fale desta temática. São necessários muitos esclarecimentos sobre este assunto.
Muitas mulheres estarão a ser duplamente penalizadas, física e psicologicamente. Outras nem poderão ser ajudadas dado que é o próprio ex-combatente que não reconhece que precisa de ajuda.
Esse é outro grande problema que morre à nascença. Penso que as mulheres de ex-Combatentes deveriam ter direito a consultas específicas e gratuitas, para desbloquearem estas situações.
Como se sente hoje como mulher e escritora numa democracia comparativamente aos anos da Guerra Colonial?
Em primeiro lugar gosto de ser mulher sem rótulos. Só fiz o que o meu coração pedia e a consciência mandava.
Aquando da Guerra Colonial eu ainda era muito jovem, mas sabia que não gostava de viver num País em guerra, fossem quais fossem os motivos.
Também acho que a democracia (?) que veio a seguir, não me agrada. Estamos em “guerra económico/social” já com muitas baixas e valores invertidos.
Se tivesse essa possibilidade, o que gostaria de fazer para mostrar à sociedade como vivem e convivem as mulheres do ex-combatentes que sofrem com stress de guerra?
Este livro dá-me a possibilidade de mostrar isso mesmo. Gostaria que a comunicação social se interessasse por esta temática – de como vive e convive a mulher do pós-guerra, em todo o país.
Há muito trabalho de informação que gostaria de ver feito, para derrubar tabus, medos e obstáculos diversos. Há um problema que morre à nascença.
Quando um ex-combatente não reconhece a necessidade de apoio psicológico, inviabiliza a possibilidade de apoio para a mulher. Penso que mais debates, filmes/ telenovelas também poderiam ajudar, dado a audiência que têm. Enfim, haja vontade
De resto, só conto com a minha paz interior e com os valores em que acredito. Gosto de ser mulher sem rótulos. E em tempo de Paz.
Falou em democracia? Nem dou por ela. Sou pelos valores, pela justiça e por um mundo de paz.
Como chegou até às mulheres da APOIAR?
Cheguei às mulheres da APOIAR através dos Serviços Sociais competentes, na pessoa da Dr.ª Sofia Pires, a quem agradeço tanta gentileza e disponibilidade.
Além de “Mulher Combatente” tem na sua ideia ou para escrita outros instrumentos de divulgação e de forma de luta para assegurar os direitos dos ex- combatentes e suas mulheres e filhos?
Neste momento tenho o livro “Mulher Combatente” para “cuidar” até ao máximo que me for possível. Tenho esperança em cada um que se encontre mais bem posicionado que leve também esta causa até onde puder, a fim de, por direito, poderem ser alterados os rumos das coisas.