APOIAR foi ao Parlamento lembrar que há ainda muito por fazer
A Comissão de Defesa Nacional do Parlamento convocou as Associações de Combatentes para uma série de audições, de modo a fazer um levantamento da aplicação do Estatuto do Antigo Combatente. A Associação APOIAR foi ouvida por deputados do PS, PSD e Chega.
Por: Direcção da APOIAR
APRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO
Entre 1961 e 1975 quase um milhão de jovens portugueses foram mobilizados para a Guerra Colonial nas antigas províncias ultramarinas portuguesas. 400.000 deles foram para a frente de combate de onde 10.000 não voltaram. Dezenas de milhar de outros regressaram com sequelas físicas e mentais, que ainda hoje se fazem sentir em silêncio.
O drama da guerra colonial mantém-se em muitos dos ainda sobrevivem, assim como nas suas famílias, esposas, filhos e filhas. Essas feridas encobertas nunca cicatrizaram para incontáveis milhares de veteranos de guerra que regressaram com a guerra dentro deles.
O stress de guerra é uma realidade que demorou anos a ser reconhecida na lei, e isso teve sequelas imensuráveis.
Foi desse sofrimento e da necessidade de encontrar ajuda num país que não compreendia esse drama que em 1988, a Associação APOIAR surgiu da iniciativa de um grupo de profissionais de saúde e de pacientes sujeitos a terapia de grupo, nos Serviços de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos.
Os grandes impulsionadores desta Associação, para além dos ex-combatentes, foram o recém desaparecido psiquiatra Afonso de Albuquerque e psicóloga clínica Fani Lopes, entre outras profissionais de saúde mental que participaram neste projecto pioneiro em Portugal.
Em 1994 é legalmente constituída como Instituição Particular de Solidariedade Social, com o Estatuto de Utilidade Pública. Mas o stress de guerra é apenas reconhecido na lei em 1999 e a legislação que permite o apoio a estes ex-combatentes é apenas traduzida na lei da Rede Nacional de Apoio às vítimas de stress de guerra no ano 2000, 26 anos depois do fim da guerra.
30 anos depois da sua fundação, a APOIAR mantém-se como um porto de abrigo para os sobreviventes da guerra, e suas famílias, afectados por esta e outras patologias crónicas causadas pelo trauma de terem estado em combate ao serviço de Portugal, através de consultas de psicologia, psiquiatria, clínica geral e apoio social, assim como apoio jurídico na resolução dos processos de qualificação como Deficiente das Forças Armadas ou Pensionistas por Invalidez por Stress de Guerra.
50 anos depois do fim da guerra, 30 anos depois da acção pioneira da APOIAR, são, infelizmente, muitas as questões que ainda consideramos por resolver. Nomeamos aqui algumas:
ATRASO DOS PROCESSOS DE QUALIFICAÇÃO COMO DFA/PI
O stress pós-traumático é considerado uma doença incapacitante e os ex-combatentes que dele padecem podem ser considerados Deficientes das Forças Armadas ou Pensionistas por Invalidez. Para isso, como qualquer outro processo de qualificação de incapacidade, necessitam de uma avaliação. Este é um processo necessariamente moroso.
Durante anos a APOIAR alertou para o facto de os processos de qualificação DFA estarem a demorar até 14 anos. Depois de muitas reuniões e propostas feitas a vários executivos e responsáveis ministeriais, em 2014 a secretária de Estado Berta Cabral emitiu o Despacho nº 15/SEADN/2014/ que propôs um Manual do Processo de qualificação como DFA, para conseguir reduzir os prazos dos vários passos de tramitação destes processos até um máximo de dois anos.
Quase 10 anos depois, embora tenha havido um avanço significativo em muitos processos nos anos seguintes à portaria, o problema dos atrasos mantém-se hoje em dia, agravado pela pandemia.
COMPARTICIPAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Após revogação da Portaria 1474/2004, de 21 de Dezembro os Antigos Combatentes deixaram de ter os seus medicamentos comparticipados em 90% e passaram a ter os medicamentos comparticipados em 37%. (Portaria n.º 924-A/2010 de 17 de Dezembro, e Portaria n.º 195-D de 30 de Junho, artigo 2º alínea c).
Este é um problema antigo que há muito que a APOIAR vem a alertar.
Os utentes da APOIAR necessitam de medicação constante. Muitos destes medicamentos psiquiátricos são caros. Há utentes que muitas vezes têm de escolher entre comprar comida ou comprar medicação.
ESTATUTO DO ANTIGO COMBATENTE
O reconhecimento dos Antigos Combatentes em Lei é uma reivindicação antiga dos veteranos de guerra. A publicação do estatuto, embora positiva, vem com 50 anos de atraso. Acreditamos no entanto que ainda se vai a tempo de fazer alterações que ajudem a dignificar os seus benificiários.
BALCÃO ÚNICO DA DEFESA
Continua a não dar resposta aos diversos pedidos de esclarecimento e dúvidas sobre os benefícios do estatuto e à entrega dos muitos cartões que estão por entregar. A APOIAR, desde 2021, tem sido um call center oficioso do Ministério da Defesa Nacional.
O protocolo com as juntas de freguesia não está devidamente implementado. Muitas juntas desconhecem o Estatuto ou o protocolo assinado com a ANF.
BENEFÍCIOS DO ESTATUTO E DO CARTÃO DE ANTIGO COMBATENTE
.Complemento especial de pensão, acréscimo vitalício de pensão e suplemento especial de pensão:
A legislação contempla uma série de complementos à pensão mas muitos dos beneficiados estão a sofrer uma subida de escalão por estarem a receber estes apoios.
Já que existe o cartão ele pode ser usado para resolver algumas das grandes injustiças feitas aos antigos combatentes.
PROPOSTAS E SUGESTÕES
- Acabar com a dependência do cartão físico para obter os benefícios do Estatuto. Criar cartão virtual com o número de identificação verificável que pode ser enviado a pedido para um e-mail e impresso em qualquer sítio.
- Isenção em sede de IRS do suplemento, acréscimo e complemento de pensões dados pelo Estatuto.
- Alargamento de respostas sociais específicas para os Antigos Combatentes no âmbito do Estatuto, nomeadamente vagas em lares, criação de lares específicos ou apoio domiciliário como substituto de internamentos ou institucionalização.
- Propomos que os Antigos combatentes portadores do cartão possam voltar a beneficiar de uma maior comparticipação na medicação retirada pela revogação da portaria supracitada.
EM RESUMO
A rede Nacional de APOIO foi criada em 2000 mas sempre foi uma rede muito curta e pouco nacional. Estamos perante um envelhecimento generalizado desta população. Ao stress de guerra juntam-se problemas neurológicos e físicos que nem o estatuto nem as condições estruturais do país dão resposta.
Nós sabemos que o tempo irá resolver estas questões inevitavelmente por si só mas ao fazer 50 anos da implementação da democracia seria uma prova de maturidade dessa mesma democracia que, no intervalo que resta aos antigos combatentes até à sua despedida deste mundo, o país pelo qual se sacrificaram pudesse ter um esforço que lhes desse esta prova final de reconhecimento e dignidade.
No seguimento da intervenção da APOIAR os deputados presentes, Manuel Afonso do Partido Socialista, Olga Silvestre do Partido Social Democrata, e Pedro Pessanha do partido CHEGA deixaram, algumas questões relacionadas com o funcionamento da APOIAR e quais são os principais problemas da implementação do Estatuto do Combatente e quais as principais carências que a Associação sente, quer na instituição, quer nos seus utentes. A APOIAR desenvolveu as questões que apresentou na sua intervenção inicial em mais pormenor nas respostas às perguntas dos deputados.
A Comissão de Defesa Nacional irá receber mais associações. O vídeo destas audição parlamentar pode ser revisto no arquivo do Canal Parlamento ou no site da APOIAR.