A Geração a seguir: Trauma de guerra nos filhos dos ex-combatentes
Portugal viu, durante 15 anos, toda uma geração de jovens partir para uma guerra que mudou profundamente a história dos seus protagonistas. Mais de 800.000 combatentes portugueses, entre os 18 e os 23 anos, foram enviados para zonas de guerra em África, numa experiência traumática que marcou para sempre a sua saúde mental e emocional.
Foram mais de dois anos de comissões militares em três frentes de combate — intensas, violentas e profundamente marcantes — que moldaram os ex-combatentes para o resto da vida. Como é habitual, esses homens regressaram a Portugal e tentaram retomar as suas vidas. Casaram, constituíram família e tiveram filhos. Mas esses filhos e filhas cresceram com o impacto psicológico e emocional de pais marcados por combates, emboscadas e a perda de companheiros de guerra.
A guerra colonial portuguesa deixou marcas profundas e invisíveis, não só nos próprios veteranos, mas também nas suas famílias. Muitos destes filhos de ex-combatentes tiveram de crescer com a presença de traumas não resolvidos, manifestados através de silêncios prolongados, instabilidade emocional, e alterações no comportamento dos pais.
Testemunhos de uma vivência muitas vezes escondida
Neste artigo, partilhamos vários testemunhos reais. Uns mais conscientes, outros mais dolorosos. Todos eles revelam o peso do trauma de guerra nos descendentes de uma geração inteira de combatentes.
O que é ser filha de um ex-combatente da guerra colonial?
“É ter crescido entre a violência — não física, mas a do silêncio repentino e da ausência — e o amor incondicional de um pai carinhoso e preocupado, divertido e cheio de talentos e palavras… muitas palavras de muitas histórias e vivências, que enriqueceram, sem dúvida, o meu imaginário e a minha personalidade.
É viver com a sensação de que tudo pode mudar a qualquer momento. É procurar aceitar que hoje encontras um sorriso ou uma gargalhada, mas amanhã podes encontrar uma tristeza imensa.” (C. S.)
A depressão pós-guerra no silêncio dos lares portugueses
“Como qualquer relação entre pai e filho, há altos e baixos. No caso do meu pai, ex-combatente em Angola durante três anos, tive de aprender a respeitar as suas crises depressivas e os seus momentos de maior isolamento em relação ao mundo à sua volta.
Foi uma verdadeira aprendizagem. Infelizmente, no nosso país, este tipo de depressão pós-guerra nunca foi devidamente valorizado. E, se não fosse o apoio dos familiares mais próximos, estas pessoas ficariam entregues a si próprias.
No caso do meu pai, a minha mãe tem sido o pilar central e, ao mesmo tempo, a alavanca que o faz levantar cada vez que ele cai — e são muitas as quedas. Se não fosse ela, o meu pai provavelmente já teria desistido há muito tempo.” (M. S.)
A dor silenciosa que persiste
“Ainda hoje me custa falar sobre isso.” (R. O.)
Consequências do trauma intergeracional
“Nunca tive verdadeiramente um pai. Sempre foi uma pessoa distante, alcoólica, violenta e conflituosa. Nunca deu nem carinho nem afecto.” (N. M.)
Romper o ciclo da dor emocional
“Nunca vou fazer aos meus filhos o que aconteceu comigo.” (C. O.)
Artigo originalmente publicado no Jornal APOIAR