Por Susana Oliveira (*)
Nas décadas mais recentes, os estudos têm documentado uma variedade de dificuldades a nível interpessoal nos veteranos de guerra com Perturbação Pós-Stress Traumático (PTSD). Apesar dessas dificuldades serem actualmente reconhecidas como sendo característico da doença, na área da investigação não se tem dedicado grande atenção ao impacto da PTSD na família.
Existem já alguns estudos que procuram determinar o impacto que a PTSD tem nas esposas dos veteranos, pois os clínicos começaram a identificar nestas pessoas sintomas similares à PTSD, contudo, não existem praticamente dados sobre a associação entre a sintomatologia de PTSD e o relacionamento com os seus filhos.
Uma relação de qualidade (de aceitação calorosa, empatia e respeito) com um adulto é fundamental para o desenvolvimento saudável de uma criança. Este cenário pode ser difícil de encontrar em famílias que estão sujeitas a situações de stress e um trauma psicológico afecta a capacidade destes indivíduos funcionarem de forma protectora com os seus filhos.
Algumas investigações sugerem uma importante ligação entre pais com PTSD, o comportamento dos seus filhos e problemas psicológicos nestes. Estas famílias são “virtualmente” monoparentais, devido à distância emocional do progenitor que sofre de PTSD. A criança vai sentir este distanciamento como rejeição, como sinónimo de não ser amada ou aceite. Nas famílias dos veteranos de guerra traumatizados, observa-se muitas vezes um isolamento das próprias crianças, o que está associado ao facto do
pai não conseguir lidar com a pressão do seu papel de pai. A relação com o pai, que assume com frequência um criticismo verbal, torna-se ainda mais difícil se este apresentar igualmente comportamentos aditivos, como álcool ou drogas. Numa tentativa de compensação, as mães tentam assumir também esse papel, ocorrendo muitas vezes relações de emaranhamento. O afastamento e a anestesia emocional podem diminuir as competências que o papel de pai exige, bem como a sua capacidade para retirar prazer da interacção com o seu filho, o que se reflecte consequentemente num relacionamento com pobre qualidade. Por outro lado, nestas famílias pode verificar-se uma superprotecção e supervalorização das crianças, em que o indivíduo traumatizado está emocionalmente “muito preso” aos filhos e não ao seu companheiro. Neste caso, apresenta-se como uma figura parental excessivamente protectora, controladora e restritiva.
Normalmente, os filhos d
e indivíduos traumatizados são crianças com baixa auto-estima, problemas a nível académico e com dificuldade de relacionamento interpessoal. Os comportamentos do pai traumatizado, como os comportamentos de evitamento (e.g. a família procura não aborrecê-lo ou irritá-lo), a depressão, o isolamento, o suicídio (e.g. preocupação constante dos familiares com o individuo traumatizado que tem armas em casa), o uso de substâncias (e.g. recurso a álcool e drogas, que potenciam muitas vezes os comportamentos impulsivos e violentos), a desconfiança, a raiva e a não expressão de afectos afectam necessariamente os seus filhos, que estão expostos diariamente a este padrão parental.
(*) Psicóloga Clínica
Publicado originalmente no nº 48 de Setembro, Outubro e Novembro de 2007 do jornal APOIAR