Durante o ano de 2011, a APOIAR realizou um ciclo de colóquios sobre a divulgação da doença do stress de guerra na cidade de Lisboa, numa iniciativa intitulada “A Ferida Encoberta”. O corpo clínico da APOIAR preparou uma série de intervenções destinadas a esclarecer a comunidade sobre os sintomas e consequências da exposição ao trauma por parte dos ex-combatentes portugueses. Aqui fica um resumo do material científico divulgado nesses colóquios.
Quando falamos de acontecimento traumático, referimo-nos a eventos que se distinguem dos restantes pela sua gravidade, pela ameaça à vida e segurança de uma pessoa e pelas consequências psicológicas que podem provocar a longo prazo.
Após a vivência de um trauma psicológico, podem surgir vários quadros clínicos como:
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Reação aguda de stress
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Perturbação pós-stress traumático (PPST)
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Perturbação de ajustamento
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Depressão
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Reação mista de ansiedade e depressão
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Perturbação psicótica
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Alteração da personalidade
Na literatura, encontram-se várias designações do efeito psicológico da guerra nos militares, como “stress syndrom” (séc. XIX), “síndroma do coração irritável” e “coração exausto” (Guerra Civil Americana), “shell shock”, “neurose de guerra” e “fadiga de combate” (I Guerra Mundial). O termo Stress de Guerra, usado frequentemente, refere-se à PPST, caracterizada por sintomas de reexperiência do trauma, evitamento e ativação neurovegetativa persistente.
As queixas frequentes dos ex-combatentes incluem:
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Alterações na regulação do afeto (tristeza, explosões de agressividade)
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Alterações da auto-perceção (inadequação, vergonha, desespero)
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Alterações neurovegetativas (insónias)
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Revivência da guerra
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Alterações no relacionamento (isolamento, desconfiança)
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Comorbilidades como alcoolismo, depressão, ansiedade generalizada, crises de pânico, agorafobia
Familiares referem-se a comportamentos como prepotência, agressividade, mutismo, indiferença, egocentrismo, irresponsabilidade e hipercriticismo por parte dos ex-combatentes.
De acordo com Schlenger et al. (1992), cerca de 30% dos veteranos da Guerra do Vietname apresentaram sintomas psicológicos relacionados com a guerra ao longo da vida. Outros estudos em soldados americanos revelam:
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8–16% na Guerra do Golfo
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11% no Afeganistão
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15–17% no Iraque
Em Portugal, Albuquerque et al. (2003) identificaram uma prevalência de PPST ao longo da vida de 0,8% nos ex-combatentes da Guerra Colonial, equivalente a cerca de 58.000 casos. Destes, 0,7% tinham PPST no momento do estudo.
Traumas de guerra geram consequências psicológicas a longo prazo, sendo frequentemente traumas interpessoais. Os sintomas podem demorar meses ou anos a emergir, sendo muitas vezes reativados por novos eventos traumáticos ou stress do quotidiano.
Estudos referem que esposas e filhos de ex-combatentes com PPST também manifestam sintomas, fenómeno conhecido como traumatização secundária (Ahmadzadeh & Malekian, 2004; Figley, 1998; Matsakis, 2007). Dados preliminares de um estudo em curso (Martinho de Oliveira, Marques Pinto e Ribeiro, 2011) indicam sintomatologia traumática nas famílias dos ex-combatentes, uso frequente de estratégias de coping negativas e baixa resiliência.
Estes dados reforçam a necessidade de uma abordagem terapêutica completa, incluindo tratamento psicofarmacológico e intervenção psicoterapêutica individual e familiar.
Por: Susana Martinho de Oliveira (Psicóloga Clínica)