Stress de Guerra: O que é esta doença?

Por: Susana Martinho de Oliveira *

Durante o ano de 2011 a APOIAR realizou um ciclo de colóquios de divulgação da doença do stress de guerra pela cidade de Lisboa, numa iniciativa intitulada “A Ferida Encoberta”. O corpo clínico da APOIAR preparou uma série de intervenções que visaram esclarecer a comunidade acerca dos sintomas e consequências da exposição ao trauma por parte dos ex combatentes portugueses. Aqui fica um resumo do material científico divulgado nesses colóquios

Quando falamos de acontecimento traumático, falamos de eventos que se distinguem dos restantes pela sua gravidade, pela ameaça que representam para a vida e segurança de uma pessoa e pelas consequências psicológicas que podem provocar a longo prazo.

Após a vivência de um trauma podem surgir vários quadros clínicos como a reação aguda de stress, a perturbação pós-stress traumático (PPST), a perturbação de ajustamento, a depressão, a reação mista de ansiedade e depressão, a perturbação psicótica e

 a alteração da personalidade.

Na literatura encontramos várias descrições do efeito psicológico da guerra sobre os militares, sob a denominação de “stress syndrom” (séc. XIX), “síndroma do coração irritável” e do “coração exausto” (guerra civil americana), “shell shock”, “neurose de guerra” e “fadiga de combate” (I Guerra Mundial). O termo de Stress de Guerra, vulgarmente utilizado, refere-se à PPST, caracterizada por sintomas de reexperiência do trauma, comportamentos de evitamento e ativação neurovegetativa persistente.

As queixas frequentes dos ex combatentes relacionam-se com alterações na regulação do afeto (ex. tristeza e explosões de agressividade), alterações da auto-perceção (ex. sentimentos de inadequação, vergonha e desespero), alterações neurovegetativas (ex. insónias), alterações de consciência (ex. revivência da guerra) e alterações no relacionamento com os outros (ex. isolamento e desconfiança). Apresentam ainda, frequentemente, sintomatologia associada como o alcoolismo, depressão, crises de pânico, agorafobia e ansiedade generalizada. Por seu turno, os familiares queixam-se da prepotência, agressividade, mutismo, indiferença, egocentrismo, irresponsabilidade e hipercriticismo da parte do ex combatentes.

Schlenger et. al. (1992, citado por Lapierre, Schwegler & LaBauve, 2007), mencionam que aproximadamente 30% dos veteranos da Guerra do Vietname manifestam sintomas psicológicos relacionados com a sua vivência da guerra ao longo da vida. Estudos mais recentes, com soldados americanos (Wolfe, Erickson, Sharkansy, King & King, 1999; Hoge, Castro, Messer, McGurk, Cotting, & Koffman, 2004) referem prevalências entre os 8-16% nos indivíduos que combateram na Guerra do Golfo, 11% nos que estiveram no Afeganistão e 15-17% nos que estiveram no Iraque. Nos ex combatentes portugueses da Guerra Colonial, Albuquerque et. al. (2003) encontraram uma prevalência ao longo da vida de 0.8%, o que corresponde a cerca de 58.000 casos, verificando que 0.7% dos indivíduos apresentavam PTSD aquando da realização do estudo.
Eventos como a guerra geram mais problemas psicológicos a longo prazo, por se tratar de traumas interpessoais (com intenção humana). Pode ainda existir um período de alguns meses ou anos antes de aparecerem os sintomas e a sua reactivação pode surgir devido a stressores de vida ou a novos eventos traumáticos.

A literatura tem descrito igualmente que as esposas e filhos de veteranos de guerra com PPST apresentam sintomas similares aos do ex combatentes (e.g. Ahmadzadeh & Malekian, 2004), descrevendo um fenómeno de traumatização secundária (Figley, 1998; Matsakis, 2007). Num estudo com ex combatentes da guerra colonial e seus familiares, ainda a decorrer (Martinho de Oliveira, Marques Pinto e Ribeiro, 2011), os resultados apontam para a existência de sintomatologia traumática e comórbida nas esposas e filhos dos ex combatentes com sintomas de PPST, verificando-se ainda que estas famílias recorrem mais a estratégias de coping negativas e são menos resilientes.

Estes dados alertam-nos para a dinâmica de uma família traumatizada, pelo que, para além da necessidade do tratamento psicofarmacológico na maioria dos casos, é imprescindível a intervenção psicoterapêutica individual e familiar.

*(Psicóloga Clínica)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *