Entrevista Augusto Freitas (FEPAC)

Entrevista e fotos: Humberto Silva

Augusto Freitas, Presidente da Direção da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra (APVG) e novo Presidente da Direção da Federação Portuguesa das Associações de Combatentes (FEPAC), organismo que agrega muitas associações de combatentes com o objetivo de procurar defender um conjunto de reivindicações comuns, aceitou dar uma entrevista ao Jornal Apoiar e falou acerca das prioridades da FEPAC, dos direitos dos Ex-combatentes e dos atrasos dos processos de qualificação para Deficiente das Forças Armadas por stress de guerra. Todas estas questões serão abordadas numa audiência a ter em breve no Ministério da Defesa Nacional.

APOIAR (AP) Em termos dos direitos dos Combatentes o que acha que de mais importante se conseguiu e o que ainda falta conseguir para que consiga a dignidade reivindicativa pelos Ex-combatentes portugueses?

AUGUSTO FREITAS (AF) Antes de tudo queria agradecer, a título pessoal e em nome daquilo que represento, pela gentileza e pela honra que a Associação APOIAR teve em convidar-me para este trabalho jornalístico. Como deve saber/entender, senhor jornalista, só posso responder por mim e como tal será sempre uma opinião23 meramente pessoal porque não estou autorizado pela FEPAC a dizer seja o que for. Fui nomeado pelas Associadas da FEPAC para as representar e é isso que estou a fazer.

Ainda sou novato nestas andanças como dirigente máximo desta Federação.

É através da minha pobre opinião que vos digo que os Combatentes de Portugal pouco ou nada conseguiram nas nossas mais que justas reivindicações exigidas ao Poder Central, aqueles que governam este país, desde o ano civil de 1974. Muita coisa é preciso fazer porque senão o tempo (o da vida) encarregar-se-á de terminar com os nossos sonhos e com os nossos direitos aprovados na Assembleia da República de Portugal e muitos deles formam ou são Leis do nosso País. “Muito bem fala o Frei Tomás” mas passar das palavras às obras (ação) vai uma diferença abismal.

AP – Qual vai ser a principal preocupação da FEPAC no imediato, quais são as suas prioridades?

AF – A primeira prioridade é o reconhecimento, de uma vez por todas, de Portugal e dos portugueses dos feitos produzidos/desenvolvidos pelos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra na Guerra de África e Ásia.

A seguir, a segunda prioridade, é a exigência aos nossos Governantes de algo que identifique os Ex-combatentes/Veteranos de Guerra. O tal Cartão de Combatente que dê regalias à semelhança do que acontece com o Cartão dos Dadores de Sangue. Entre estas regalias pretendidas estarão certamente as taxas moderadoras nas unidades de saúde pública e militar, nas farmácias e nos transportes públicos.

A terceira prioridade será com toda a certeza o reconhecimento e o estatuto de Deficiente das Forças Armadas Portuguesas de todos aqueles que são portadores do Stress pós-Traumático de Guerra. Quero daqui louvar, de novo, o trabalho que a Associação APOIAR tem feito relativamente aos traumas/perturbações que os Ex-combatentes/Veteranos de Guerra transportam. Esta Associação tem os ajudado a aligeirar/amenizar a dor e o sofrimento que transportam.

AP – Relativamente ao Stress de Guerra acha que o Stress de Guerra é hoje visto de maneira diferente do que era há 15 anos?

AF – Na minha modesta opinião continuo a dizer que se não fosse a Associação APOIAR, porque foi pioneira na preciosa ajuda aos portadores do Stress Pós-traumático de Guerra, decerto este tema estava completamente esquecido e nem tão pouco era falado e observado. Foi muito importante o trabalho produzido pelo senhor Dr. Afonso de Albuquerque, distinto médico psiquiatra de Portugal, Ex-combatente/Veterano de Guerra de Portugal. Se não fosse o seu trabalho e a sua dimensão pessoal que tinha e tem como médico especialista, os traumas/perturbações dos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra estavam muito mais quinados e esquecidos nas secretárias do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério da Saúde. Deduzo, com toda a clareza, que hoje o Stress pós-Traumático de Guerra é falado, é estudado e é objeto de várias Palestras, Seminários, Colóquios e até Congressos.

AP – Que importância tem hoje as Associações como a APOIAR, a APVG e a ANCU? Se não existissem o que seria dos Ex-combatentes e da sua doença?

AF – As Associações de Ex-combatentes/Veteranos de Guerra reproduzem a insatisfação dos seus associados. As Associações de Ex-combatentes/Veteranos de Guerra foram criadas para valorizar a fraternidade da luta em comum, para perpetuar a nossa façanha, para relembrar os (poucos) bons momentos, para dar um pouco de amparo aos nossos companheiros mais necessitados e, principalmente, pressionar a opinião pública e as autoridades para o estabelecimento de leis e benefícios para aqueles que deram a sua vida e a sua saúde física e mental por Portugal.

As associadas da FEPAC e em particular a APOIAR, a APVG e a ANCU estão no bom caminho na luta que vamos desenvolver pelos nossos camaradas amigos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra de Portugal.

AP – Os processos de qualificação como DFA por Stress de Guerra têm sido um dos principais entraves ao tratamento digno dos Ex-combatentes doentes. Com atrasos em média de 14 anos em processos de pessoas com uma média de 66 anos, qual é a sua opinião acerca de todo este processo? Quem são os principais responsáveis?

AF – Todos nós somos responsáveis pelo tratamento indigno que os nossos Ex-combatentes/Veteranos e Guerra estão a passar. É ou não verdade que as Associações de Ex-combatentes/Veteranos de Guerra, como parceiras que são do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério da Saúde, têm uma grande responsabilidade/culpa no campo reivindicativo? O que fizeram as Associações de Ex-combatentes/Veteranos de Guerra de Portugal para alterar os entraves que nos são ou foram colocados?

É preciso mais garra, mais dinâmica, mais pujança e mais mestria para chegar ao cerne dos nossos problemas. Também eu me penitencio porque também tenho culpa no “cartório” na defesa dos elementares direitos e deveres dos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra.

AP – Conhece a proposta da APOIAR sobre a reformulação e redução de custos dos processos de legislação aplicada ao Stress de Guerra Lei 43/76 e outras, aplicadas ao Stress de Guerra quando são Leis para Deficientes Físicos?

AF – Com toda a certeza digo que conheço. Neste momento as Associadas da FEPAC também conhecem a proposta que é mencionada nesta pergunta. A Associação APOIAR, através dos seus líderes e dos seus técnicos, tem feito um trabalho excelente a todos os níveis. Era importante que na próxima reunião com sua Excelência o senhor Ministro da Defesa Nacional ou então com sua Excelência o senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional a FEPAC, através dos líderes das suas Associadas e em particular o Presidente da Direção da Associação APOIAR, se debruçam-se sobre a reformulação e redução de custos dos processos de legislação aplicada ao Stress Pós-traumático de Guerra, veja-se a Lei 43/76 e outras aplicadas ao Stress pós-Traumático de Guerra quando elas são leis para Deficientes Físicos.

AP – No Modelo 2 deve ser respeitado o diagnóstico dos Técnicos que define o Nexo de Causalidade. Sem o nexo de causalidade não pode haver diagnóstico.

AF – Estou completamente de acordo quando devemos respeitar o diagnóstico dos Técnicos que define o Nexo de Causalidade. Também é verdade que sem o Nexo de Causalidade não pode haver diagnóstico. Reafirmo aquilo que a vossa Revista/Jornal já o disse uma vez: “Os doentes de Stress pós-Traumático de Guerra são as principais vítimas da crise”. Todos sabemos que não é possível, se a avaliação dos Técnicos de Saúde for isenta/séria e conclusiva, haver um diagnóstico diferente entre aqueles que são produzidos nos Hospitais Militares e nos Hospitais Públicos. É uma vergonha aquilo que estão a fazer aos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra. Não se vê isso em lado nenhum!

AP – Que avaliação faz da CPIP, DEP Justiça, Testemunhas, Hospital Militar, Juntas Médicas, ETC.

AF – Todos sabemos que aquelas Entidades protelam por conveniência na esperança que os Ex-combatentes/Veteranos de Guerra desapareçam deste mundo. Quem é que efetivamente diagnostica a doença profissional? Será na Junta Médica Militar ou será quando é emitido o Parecer da CPIP que aprecia o nexo causal?

O Provedor de Justiça já se pronunciou no sentido que deve nesta questão existir alguma flexibilidade, devendo ser considerado que o momento do diagnóstico é o da Junta Médica Militar. Quanto tempo demora a emissão do parecer por parte da CPIP? Os Hospitais Militares obrigam que os Ex-combatentes/Veteranos de Guerra sejam duas vezes avaliados no campo das psicoses. Porquê? Os médicos dos Serviços de Psiquiatria dos Hospitais Distritais Públicos não são pessoas idóneas quando diagnosticam o Stress Pós-traumático de Guerra como são os médicos militares? Para quê tantas Juntas Médicas e para quê tanto dinheiro gasto do erário público?

AP – A Estrutura Militar envolvida neste processo (12 Departamentos – ver caixa no fim do artigo) que controla toda a tramitação dos processos é formada por militares que não fizeram a Guerra Colonial. São na maioria Coronéis. Esta estrutura, no exército, em 11 anos apenas concluiu 134 processos. Como vê o seu desempenho neste processo?

AF – Antes de mais permita-me dizer o seguinte: Em todo o lado temos bons e maus profissionais. Uns mais bem remunerados que outros. É certo e é sabido que os Coronéis controlam toda a tramitação dos processos. Também se sabe que esses atuais Coronéis não passaram pela Guerra Colonial. Desconhecem a triste realidade da Guerra da Guerrilha, a Guerra traiçoeira que vitimou aproximadamente 10.000 jovens, que deixou milhares de militares deficientes físicos e motores e mais milhares, de agora Veteranos de Guerra, portadores de traumas/perturbações inqualificáveis para alguns dos nossos governantes nacionais.

AP – Acha que existe vontade política – no MDN, Comissão da Defesa, Partidos Políticos, etc. – para resolver a tramitação dos processos em tempo útil de vida, dos Ex-combatentes doentes com PPST?

AF – Penso da mesma maneira que vós. Não há vontade política para resolver a tramitação dos processos em tempo útil de vida dos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra de Portugal. A luta vai continuar até ao último folgo humano ex-Combatente/Veterano de Guerra de Portugal. Que soluções? Haverá muitas mas será as Associadas da FEPAC a decidir e não o seu Presidente.

AP – Temos por exemplo o caso na Força Área a Junta Médica quando decide por unanimidade o requerente fica sem hipótese de recorrer. Que lhe parece?

AF – Outra triste realidade. Será que a democracia chegou a todos os cantos de Portugal? Lutamos e conseguimos a Liberdade que toda a gente conhece. O que falta fazer para que alguns dos nossos camaradas militares acreditem na nossa mais que justa dignidade?

AP – Qual deve ser o papel da FEPAC e que medidas se pretendem tomar relativamente a estes atrasos?

AF – Continuo a dizer que muita coisa poderia ter sido resolvida. A FEPAC está e estará atenta a todas estas provocações. Na minha opinião direi que a primeira coisa a fazer seria uma reunião com os principais responsáveis dos três Ramos das Forças Armadas e perguntar-lhes o que querem dos Ex-combatentes/veteranos de Guerra. Será a nossa morte? Será o nosso fim? Será o não ter verbas para a assunção dos nossos problemas? Será para pagar os vencimentos de alguns coronéis, como disse o senhor jornalista numa das muitas questões desta entrevista?

AP – Vê a possibilidade de ser decidido uma manifestação de rua dos Antigos Combatentes se a situação continuar como até agora?

AF – Nós temos que ser pragmáticos. Vivemos num Estado de Direito. Violência cria conflitos e guerras. É através do diálogo que devemos reivindicar aquilo que é nosso por direito próprio. Depois de esgotadas todas as vias do diálogo também vejo a possibilidade de se avançar, não com uma mas com várias, manifestações de rua dos Ex-combatentes/Veteranos de Guerra. Já chega de tanto esperar. Os nossos associados andam nervosos e aguardam o célebre grito de “IPIRANGA”

 Publicada originalmente no Jornal Apoiar nº 75

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