Por: Susana Martinho de Oliveira *
Quando falamos de acontecimento traumático, falamos de eventos que se distinguem dos restantes pela sua gravidade, pela ameaça que representam para a vida e segurança de uma pessoa e pelas consequências psicológicas que podem provocar a longo prazo.
Após a vivência de um trauma podem surgir vários quadros clínicos como a reação aguda de stress, a perturbação pós-stress traumático (PPST), a perturbação de ajustamento, a depressão, a reação mista de ansiedade e depressão, a perturbação psicótica e
Na literatura encontramos várias descrições do efeito psicológico da guerra sobre os militares, sob a denominação de “stress syndrom” (séc. XIX), “síndroma do coração irritável” e do “coração exausto” (guerra civil americana), “shell shock”, “neurose de guerra” e “fadiga de combate” (I Guerra Mundial). O termo de Stress de Guerra, vulgarmente utilizado, refere-se à PPST, caracterizada por sintomas de reexperiência do trauma, comportamentos de evitamento e ativação neurovegetativa persistente.
As queixas frequentes dos ex combatentes relacionam-se com alterações na regulação do afeto (ex. tristeza e explosões de agressividade), alterações da auto-perceção (ex. sentimentos de inadequação, vergonha e desespero), alterações neurovegetativas (ex. insónias), alterações de consciência (ex. revivência da guerra) e alterações no relacionamento com os outros (ex. isolamento e desconfiança). Apresentam ainda, frequentemente, sintomatologia associada como o alcoolismo, depressão, crises de pânico, agorafobia e ansiedade generalizada. Por seu turno, os familiares queixam-se da prepotência, agressividade, mutismo, indiferença, egocentrismo, irresponsabilidade e hipercriticismo da parte do ex combatentes.
Schlenger et. al. (1992, citado por Lapierre, Schwegler & LaBauve, 2007), mencionam que aproximadamente 30% dos veteranos da Guerra do Vietname manifestam sintomas psicológicos relacionados com a sua vivência da guerra ao longo da vida. Estudos mais recentes, com soldados americanos (Wolfe, Erickson, Sharkansy, King & King, 1999; Hoge, Castro, Messer, McGurk, Cotting, & Koffman, 2004) referem prevalências entre os 8-16% nos indivíduos que combateram na Guerra do Golfo, 11% nos que estiveram no Afeganistão e 15-17% nos que estiveram no Iraque. Nos ex combatentes portugueses da Guerra Colonial, Albuquerque et. al. (2003) encontraram uma prevalência ao longo da vida de 0.8%, o que corresponde a cerca de 58.000 casos, verificando que 0.7% dos indivíduos apresentavam PTSD aquando da realização do estudo.
Eventos como a guerra geram mais problemas psicológicos a longo prazo, por se tratar de traumas interpessoais (com intenção humana). Pode ainda existir um período de alguns meses ou anos antes de aparecerem os sintomas e a sua reactivação pode surgir devido a stressores de vida ou a novos eventos traumáticos.
A literatura tem descrito igualmente que as esposas e filhos de veteranos de guerra com PPST apresentam sintomas similares aos do ex combatentes (e.g. Ahmadzadeh & Malekian, 2004), descrevendo um fenómeno de traumatização secundária (Figley, 1998; Matsakis, 2007). Num estudo com ex combatentes da guerra colonial e seus familiares, ainda a decorrer (Martinho de Oliveira, Marques Pinto e Ribeiro, 2011), os resultados apontam para a existência de sintomatologia traumática e comórbida nas esposas e filhos dos ex combatentes com sintomas de PPST, verificando-se ainda que estas famílias recorrem mais a estratégias de coping negativas e são menos resilientes.
Estes dados alertam-nos para a dinâmica de uma família traumatizada, pelo que, para além da necessidade do tratamento psicofarmacológico na maioria dos casos, é imprescindível a intervenção psicoterapêutica individual e familiar.